Já no que se refere à mecanização, parece haver uma concordância entre os trabalhadores de que ela mudou o perfil daquele trabalho portuário essencialmente braçal, interferindo na venda da força de trabalho, o que ocorre, pois a mecanização é fruto de processo histórico. Marx salienta:
“A natureza não produz, de um lado, possuidores de dinheiro
ou de mercadorias, e, do outro, meros possuidores das próprias forças de
trabalho. Esta relação não tem sua origem na natureza, nem é mesmo uma relação
social que fosse comum a todos os períodos históricos. Ela é evidentemente o
resultado de um desenvolvimento histórico anterior, o produto de muitas
revoluções econômicas, do desaparecimento de toda uma série de antigas
formações da produção social”.
Os arrumadores sentem-se mais valorizados no ambiente de
trabalho, pois a lei, aliada ao processo de mecanização das atividades
portuárias, trouxe aquilo que chamam de profissionalização, como se antes a
condição de braçal não motivasse uma posição profissional ao trabalhador.
“Hoje com certeza, mudou meu ponto de vista quanto à minha
profissão. [...] Cursos de capacitação fazem que o cara volte a aprender e a
evoluir” .
Embora a mecanização reduza os postos de serviço, oferece um
novo status com a divisão do trabalho, pela qual “[...] desenvolvem-se [...]
diferentes grupos entre os indivíduos que cooperam em determinados trabalhos”.
“A tecnologia mudou muito. A gente primeiro tinha serviço de
pá. Hoje, não tem. Tudo é aparelho”.
“Não assusta os que estão tendo uma visão de futuro. Porque
quem tá se aprimorando dentro do contexto, não tem muito medo aí não da
instrumentalização profissional”.
O valor da força de trabalho está diretamente relacionado ao
seu grau de capacitação, ou à habilidade. O próprio trabalhador tem consciência
dessa relação quando reflete que a necessidade da especialização: “tira do
mercado o pessoal que não tem condições de se habilitar, boa parte das pessoas”
.
Essa relação incongruente entre escolaridade e capacitação
indica o não atendimento da dignidade humana no processo de trabalho. Isso
porque “com a divisão do trabalho está dada, ao mesmo tempo, a contradição
entre o interesse de cada um dos indivíduos [...] e o interesse comunitário de
todos os indivíduos que mantêm intercâmbio uns com os outros”.
Os mais velhos afastam-se naturalmente da nova possibilidade,
pois o tempo de trabalho mostra uma rigidez na forma de eleger o novo na ação
de todos. Alguns, no entanto, conseguem superar suas próprias dificuldades.
“É claro que ainda têm aqueles bitolados, que não se abrem,
mas a grande maioria foi buscar um pouquinho de conhecimento. [...]” .
Ao trabalhador que está sendo cerceado pela sua própria
condição, um conselho amigo tenta avisar que mais cedo ou mais tarde a
especialização não poderá ser detida e, nesse sentido, é preciso acelerar o
impulso pela busca de melhores condições:
A qualificação é um assunto primordial à atual estrutura do
trabalho portuário avulso. Com a mecanização veio a especialização e as
disputas entre os trabalhadores. Quem consegue habilitação técnica passa a
concorrer a escalas especiais, não atingidas por aqueles que insistem em
relegar o treinamento para um segundo plano.
“Eu quero que todo mundo se aperfeiçoe no trabalho,
entendeu? Acho que é importante pra todo mundo ir no mesmo nível”.
Também chamada de profissionalização, a especialização
divide opiniões e uma delas diz que o OGMO é o culpado pelas diferenças de
capacitação surgidas entre os trabalhadores, tratando de forma desigual um
ambiente que antes era integrador.
“Através desse OGMO, tá havendo essa diferença. O OGMO me
botou eu como operador, não me botou como guindasteiro... Eu queria assim, que
ele desse oportunidade pra todo mundo. O OGMO tá dividindo as categorias,
dividindo as classes do sindicato”.
Pelo declarado, a qualificação da mão-de-obra avulsa, uma
das principais atribuições do OGMO, não é homogênea, isto é, faltam
oportunidades e vagas nos cursos. Além disso, essa situação relatada parece
abrir uma competição entre os trabalhadores pelas fainas mais especializadas.
No caso dos arrumadores, há uma procura pelo curso de guindasteiro.
“Não me deram a oportunidade pra fazer, exigiram o primeiro
grau. Então é aquela diferença. [...] Se eu não soubesse fazer a feição, o
outro ia fazer pra mim, nós ia dividir, só pra mim não perder”.
A auto-organização nesse ambiente de trabalho, instigada
pela transformação da nova lei, remete a uma reflexão ética sobre a exclusão no
grupo, quanto às circunstâncias de idade, escolaridade e habilidade. Antes,
todos eram braçais; agora, alguns são qualificados. Atlan , no entanto, pondera
quanto à relatividade de se pensar sobre o sofrimento ou a felicidade de cada
indivíduo na singularidade. Ele alerta para a necessidade de enxergar a história
particular das sensibilidades de um grupo social.
Efetivamente, as singularidades surgem e mostram o quanto um
processo de autoorganização compõe-se de oposições. Por exemplo, também é
possível elencar aqueles trabalhadores que percebem o aprimoramento como
suporte para acabar com a competição, tornando os trabalhadores mais próximos
uns dos outros, a partir do momento em que se tornam mais esclarecidos e passam
a buscar o mesmo ideal:
“Nós temos que se atualizar e se manter mais próximos uns
dos outros pra que o trabalho consiga fluir com mais técnica, mais vontade. Dar
uma nova imagem ao trabalho, melhorar a qualificação dos trabalhadores”.
O relacionamento torna-se mais cooperativo e solidário em
busca da sobrevivência do grupo que deseja valorizar esse novo trabalhador que
nasce da modernização portuária, um trabalhador mais qualificado e preparado
diante das inovações tecnológicas. Isso pode ser considerado como reflexo da
auto-atividade desse indivíduo que está inserido nesse ambiente de trabalho e
contribui para a ação coletiva.
“O resultado que se
obtém ligando o presente com o passado e o futuro se consegue também na
sociedade mediante o agrupamento de uns homens com os outros” . O agrupamento
ou associação de trabalhadores no ambiente de produção, mesmo que
indiretamente, remete a novos valores.
“[...] a gente tem que saber mexer no maquinário, tem que
acompanhar a tecnologia”.
Este trabalhador refleti sobre a necessidade de que é
preciso, de alguma forma, acompanhar a evolução do tempo, interligando o
passado, o presente e o futuro.
O arrumador deseja poder compartilhar a atividade dos estivadores
através da multifuncionalidade prevista em lei.
“O pessoal já tá enxergando que precisa mudar [...] pra
buscar um mercado de trabalho melhor pra gente. O pessoal tá procurando ler a
Lei 8.630; antigamente, quando era uma lei, jogava do lado e não queriam nem
saber” .
GARCIA, Maria Lucilene Zafalon. A auto-atividade na educação
ambiental, uma ferramenta pra a ação “no fazer” humano: o ambiente
transformador do trabalho portuário avulso do Rio Grande. Rio Grande, 2005,
157f. Dissertação (Mestrado em Educação Ambiental) Fundação Universidade
Federal do Rio Grande. Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental.
Orientador(a): Marta Regina Cezar-Vaz
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